“Medicamentos não têm doses - Pessoas
têm doses”, nessa feliz reflexão feita por Cipolle em 1986, está demonstrada a
necessidade de transição de uma prática farmacêutica focada no medicamento para
uma prática clínica, centrada no paciente.
Na era
pré-industrial, o conhecimento pertencia às
corporações de ofício. Os canais de difusão e transmissão da informação são
essencialmente comunitários e informais e o Boticário inserido no convívio
popular exercia seu papel de educação em saúde, mesmo que numa lógica empírica
e distante de uma cultura erudita ou cientifica.
Na
Revolução Industrial, com a reorganização da produção através da divisão do
trabalho, do agrupamento da força de trabalho em fábricas e a centralização dos
meios de produção, o farmacêutico pede seu papel na elaboração manufaturada de
medicamentos na farmácia, que se torna um ambiente de distribuição da produção
industrial, perdendo sua função na atenção a saúde.
A profissão
farmacêutica, nesse novo contexto sobre uma reorientação tecnológica, investido
no desenvolvimento de atividades focadas principalmente na produção dos
medicamentos ou no apoio ao diagnóstico. Perfil ainda predominante entre os
profissionais brasileiros.
No entanto
atualmente, na era pós-industrial, caracterizada pela evolução dos serviços e pela
ascensão da informação como objeto de poder e de transformação social torna-se
imperativo a reorientação do trabalho do farmacêutico para o combate as mazelas
causadas pelo uso irracional de medicamentos e para a promoção da saúde.
Para o alcance desse objetivo é
necessário, ampliar o objeto fim do trabalho do farmacêutico, para além do
medicamento em si, mas para o usuário dele. Um profissional com visão
estritamente técnica e biológica dos processos de saúde-doença-cuidado e que,
ao conversar com um paciente, apenas aborde questões relacionadas ao seu
comportamento, sem buscar entender o espaço em que ele vive, suas condições de
vida e relações sociais, culpabilizando-o por sua situação, traduz, assim, uma
visão de mundo em que o indivíduo é responsável por tudo aquilo que lhe
acomete.
O farmacêutico que se propõe a atuar
na promoção da saúde deve assumir uma postura diferente diante do sujeito de
seu trabalho, deve não apenas garantir que o paciente conheça todos os efeitos
e riscos do “Bactrim”, deve na verdade conforme postulado por Bakhtin, conhecer
esse indivíduo, seus enunciados, os discursos que traz no seio do próprio
discurso, os conflitos ou as possibilidades que podem ser gerados pelos
discursos de outrem ali integrados. Podemos pensar o profissional de saúde
como um professor e o paciente como um estudante, pois entendemos que essas
situações possuem uma dimensão pedagógica, onde se desenvolve uma troca e a
construção de saberes em que os sujeitos crescem juntos na busca do objetivo
comum pela busca da saúde.