sexta-feira, 5 de julho de 2013

Do Bactrim à Bakhtin: reorientação da profissão farmacêutica para a promoção da saúde

“Medicamentos não têm doses - Pessoas têm doses”, nessa feliz reflexão feita por Cipolle em 1986, está demonstrada a necessidade de transição de uma prática farmacêutica focada no medicamento para uma prática clínica, centrada no paciente.



Na era pré-industrial, o conhecimento pertencia às corporações de ofício. Os canais de difusão e transmissão da informação são essencialmente comunitários e informais e o Boticário inserido no convívio popular exercia seu papel de educação em saúde, mesmo que numa lógica empírica e distante de uma cultura erudita ou cientifica.
Na Revolução Industrial, com a reorganização da produção através da divisão do trabalho, do agrupamento da força de trabalho em fábricas e a centralização dos meios de produção, o farmacêutico pede seu papel na elaboração manufaturada de medicamentos na farmácia, que se torna um ambiente de distribuição da produção industrial, perdendo sua função na atenção a saúde.
A profissão farmacêutica, nesse novo contexto sobre uma reorientação tecnológica, investido no desenvolvimento de atividades focadas principalmente na produção dos medicamentos ou no apoio ao diagnóstico. Perfil ainda predominante entre os profissionais brasileiros.
No entanto atualmente, na era pós-industrial, caracterizada pela evolução dos serviços e pela ascensão da informação como objeto de poder e de transformação social torna-se imperativo a reorientação do trabalho do farmacêutico para o combate as mazelas causadas pelo uso irracional de medicamentos e para a promoção da saúde.
Para o alcance desse objetivo é necessário, ampliar o objeto fim do trabalho do farmacêutico, para além do medicamento em si, mas para o usuário dele. Um profissional com visão estritamente técnica e biológica dos processos de saúde-doença-cuidado e que, ao conversar com um paciente, apenas aborde questões relacionadas ao seu comportamento, sem buscar entender o espaço em que ele vive, suas condições de vida e relações sociais, culpabilizando-o por sua situação, traduz, assim, uma visão de mundo em que o indivíduo é responsável por tudo aquilo que lhe acomete.
O farmacêutico que se propõe a atuar na promoção da saúde deve assumir uma postura diferente diante do sujeito de seu trabalho, deve não apenas garantir que o paciente conheça todos os efeitos e riscos do “Bactrim”, deve na verdade conforme postulado por Bakhtin, conhecer esse indivíduo, seus enunciados, os discursos que traz no seio do próprio discurso, os conflitos ou as possibilidades que podem ser gerados pelos discursos de outrem ali integrados. Podemos pensar o profissional de saúde como um professor e o paciente como um estudante, pois entendemos que essas situações possuem uma dimensão pedagógica, onde se desenvolve uma troca e a construção de saberes em que os sujeitos crescem juntos na busca do objetivo comum pela busca da saúde.